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o Brasil dos anos de 30 estava sob a ditadura de Vargas, regime parecido ao
fascismo, equipado de todos os elementos por nós conhecidos de regimes como este, tais
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como censura jornalística, polícia secreta, prisão de suspeitos políticos, torturas,
desaparecimento de opositores, e existência do movimento fascista, o Integralismo, que
não chegou ao poder. O regime revelou simpatia para com os paises do Eixo (Alemanha,
Itália e Japão), e fizeram isso com todo o cuidado, pois o Brasil se encontra na América.
Durante a guerra civil espanhola, o ambiente geral era favorável a Franco, e não
somente entre os imigrantes espanhois e descendentes dos paises do eixo. Eu não sabia
distinguir entre os nacionalistas e os republicanos, até que meu pai me explicou a
realidade mundial e que a luta que estavam empreendendo os republicanos na Espanha
estava relacionada com a luta global que empreendem as forças liberais e esquerdistas
contra o fascismo.
o Incidente Anti Semita na Escola
Os descendentes de imigrantes alemães, espanhóis, italianos e portugueses que
estudavam na escola apoiavam a tendência nazi fascista difundida pelo mundo, e no
seu entendimento, este modelo será o modelo do mundo de amanhã. Quer dizer, eles
vencerão os regimes democráticos, que não são senão "burguesia podre na sua
essência".
No quarto ano de meu estudo ginasial, desenvolveu-se na classe uma situação à
qual eu não estava atento. Num diálogo tenso com o professor, Abraham Ziman, meu
amigo judeu da classe fez uma observação, em consequência da qual o professor elevou
sua voz e vociferou: "vocês os judeus têm que se calar, pois vocês são um povo de
covardes" Levantei-me instintivamente, passei voando os passos até o professor, e então
saltaram sobre mim três ou quatro alunos e à força me imobilizaram, me afastaram dele, e
me mandaram para casa. Espalhou-se o boato que resolveram me expulsar da escola.
Um ato como esse, no qual um aluno ameaça o professor é considerado uma atitude
muito grave em qualquer critério. Voltei para casa e contei tudo a meu pai. Ele respeitou a
minha coragem, tentou me acalmar e disse que iria falar com um advogado renomado.
Passei dias difíceis de tensa expectativa e incerteza. No fim das contas, fomos
convidados, meu pai e eu, ao diretor da escola, que condenou o meu comportamento, e
sem se relacionar ao motivo da crise, exigiu que eu me comprometesse a voltar a ser um
aluno quieto e comportado. Meu pai reagiu positivamente, e eu entendi que este era um
caminho inteligente para encerrar o caso. Com a minha volta à classe, senti que o
relacionamento para comigo mudou para pior. Meu pai viu no incidente expressão do anti
-semitismo enraigado, diferente do católico polonês, na expressão mas não no conteúdo.
A Doença de Meu Pai
No quinto ano do curso médio meu pai adoeceu, e ficou claro que somente eu
poderia substitui-lo nos seus negócios de vendedor ambulante, "profissão" judaica que
era muito difundida entre imigrantes em todo o continente. o vendedor ambulante, que
geralmente mal conhece algumas palavras da língua local, oferece a sua mercadoria,
utensílios domésticos e roupa popular, para a população mais pobre. Os vendedores
ambulantes viajavam de bonde, o meio de transporte coletivo mais barato, e
principalmente andavam a pé. As compradoras eram mulheres que não podiam comprar
as mercadorias nas lojas ou não podiam pagar à vista. As mercadorias eram de baixa
qualidade e baratas. Elas compravam a prestação e costumavam dividir o pagamento por
muitos meses. Elas tinham todas as tonalidades de pele, desde o negro até o branco,
com mesclas de amarelo índio. Havia famílias inteiras que não conheciam uma letra
escrita, e em muitos casos as crianças não frequentavam escolas para trabalhar e ajudar
na economia familiar. Eles eram candidatos naturais ao crime, à prostituição e à pobreza.
Parte dos chefes de família eram trabalhadores do porto, organizados em sindicatos, e
cuja situação era estável.
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o vendedor ambulante se punha à porta da casa do cliente, batia palmas,
conforme o hábito local, e então ouvia-se a voz de uma menina, pequena ou grande, que
anunciava, em tom de desprezo, a chegada do estrangeiro: "mãe, o judeu, ou em
alternativa, o turco, o sírio, o libanês, o polaco, o russo ou o gringo". As negociações se
realizavam como num bazar turco, com a diferença que o imigrante dificilmente falava a
língua de seus fregueses. Ele tinha que vender e ela queria comprar. As limitações
econômicas criavam pressões psicológicas, pois ela não tinha dinheiro próprio. Ela era
jovem quando encontrou o seu "amigo", e na maioria dos casos não se casaram. Quando
engravidou, passaram a viver juntos. As crianças vieram ao mundo uma após a outra. o
amigo é o mantedor e nem sempre ele está ciente de suas compras do mascate. Mais de
uma vez ele batia em sua mulher: "porquê você compra dele, são todos uns ladrões". E
não poucas vezes lhe batiam a porta.
Este era um trabalho duro, que exigia andança e carga de mercadoria durante todo
o dia, num clima quente e úmido na maior parte dos dias do ano. Na época das chuvas
era ainda mais difícil. A dificuldade estava no desconhecimento da língua, no primeiro
contato insultante, e depois, a dificuldade de receber o dinheiro da venda da mercadoria a
prestações. Os compradores sempre tinham desculpas. Mas os vendedores não tinham
outra alternativa. Alguns tiveram sucesso em seu trabalho e após alguns anos abriram
loja, e alguns passaram da loja para pequenas empresas ou fábricas. Essa geração se
sacrificou nesse trabalho para sustentar sua família e educar seus filhos, e com a
resolução firme de não permitir que eles experimentassem a mesma vivência. De fato,
seus filhos não concordaram em se ocupar disto, em qualquer condição e a nenhum
preço.
Meu pai adoeceu, era necessário operá-lo. Passamos juntos sobre o material
escrito e selecionado para o dia seguinte. Ele mapeava para mim as ruas e os meios de
transporte. Antes da minha entrada na casa do cliente, me atacava uma sensação interna
de vergonha e medo, e mais de uma vez eu saia depressa para que não me vissem.
Girava pela redondeza, e no fim me via batendo palmas. Os clientes aproveitaram a
ausência do meu pai e a minha falta de experiência para escaparem do pagamento das
dívidas. Os primeiros dias andava com medo e profunda frustração de que o dinheiro era
necessário para a manutenção da casa. Esta foi a primeira vez que entrei em contato com
o povo. Era difícil não valorizar a capacidade de resistência e não desenvolver empatia
em face ao seu sofrimento. Nós também sofremos, mas era um sofrimento com
esperança, vimos vizinhos e amigos que sairam dessa situação e viram bênção no seu
trabalho. Eu não tinha instrumentos de análise intelectuais para analisar a sua situação,
só sentimentos de identificação, preocupação mesclada com vergonha e desespero.
Olhar as suas dificuldades, a situação sub-humana de suas vidas. Gostava deles,
honrava sua coragem no enfrentar o destino, que começou na época da escravidão, e é
muito difícil ver as suas condições, cerca de cem anos após a abolição da escravatura.
Toda a minha alma se revoltou contra a profunda brecha existente entre a riqueza da
natureza e a miséria do homem. Na perspectiva do tempo, eu agradeço a oportunidade
que me possibilitou conhecer aquelas pessoas. Ela me possibilitou cristalizar, com
respeito a elas, uma relação de honradez e estima e basificar concepções sociais, que
adotei não somente na sabedoria escrita, mas também no respeito humano.
No quinto ano de meus estudos no curso médio, foi realizada uma reforma no